Águas paradas…

Compreendo que não é fácil a mudança, mas se não fizermos algumas ondas, as águas ficam paradas e nada acontece. Os profissionais desmotivam e começam a ir embora e as populações ficam sem oferta de cuidados. Vamos agitar um pouco e fazer os moinhos girar! 

Já Camões escreveu que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas a mudança nem sempre é fácil. Mesmo quando aquilo a que nos habituamos é menos do que bom, custa-nos mudar… Na saúde, isto também se verifica. Há algumas décadas, cada junta de freguesia tinha a sua igreja e a sua extensão de saúde, onde a equipa de saúde (elemento médico, de enfermagem e de secretariado) ia com a regularidade necessária, de acordo com o número de utentes e a disponibilidade de recursos. 

Eu própria, quando vim trabalhar, em 2005, para o Centro de Saúde Dr. Arnaldo Sampaio, cheguei a ir uma tarde por semana à extensão de saúde de Sismaria, Monte Redondo. Os utentes desse simpático lugar da antiga freguesia de Monte Redondo tinham que ir dormir para a porta da extensão para conseguirem uma das 12 vagas. A extensão mais próxima era a de Monte Redondo, a 4 minutos de carro, com médicos e enfermeiros, diariamente. No entanto, quando lhes perguntava a razão da existência daquela extensão, os utentes diziam que o Presidente da Junta lhes tinha prometido que iam ter ali médico nem que fosse só um dia por mês… Gostavam? A maioria, nem por isso, mas o presidente cumpriu.  

Temos que pensar para além das agendas políticas, focar na qualidade dos cuidados prestados e ter visão mais a longo prazo.

Hoje em dia, nenhum profissional de saúde quer trabalhar isolado, mesmo com as novas tecnologias. Queremos trabalhar em equipa, ter com quem discutir os casos clínicos, com quem tirar dúvidas. Para além de aumentar a satisfação no trabalho, está provado que melhora a qualidade dos cuidados prestados e há ganhos em saúde para os utentes.

 

Drª Denise Cunha Velho

NOTA CURRICULAR

  • Presidente do Concelho Clínico e de Saúde do ACeS-PL,
  • Dirigente da Associação Nacional de USF’s (USF-AN) e da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF),
  • Médica, especialista em MGF.

Por outro lado, desde a reforma dos Cuidados de Saúde Primários, iniciada em 2006, com a criação das primeiras Unidades de Saúde Familiar (USF), os profissionais querem trabalhar neste modelo organizacional, sobretudo no modelo B que lhes permite auferir um vencimento associado a um melhor desempenho, com melhor organização do serviço e utentes mais saudáveis e satisfeitos.  

As USF nascem da vontade espontânea dos profissionais duma equipa que apresenta uma candidatura à Administração de Saúde, da sua área, e depois passa por um processo de avaliação e acompanhamento que dura alguns meses, até à sua aprovação. Algumas destas candidaturas envolvem a concentração da prestação de cuidados de vários polos dispersos, num só. Por exemplo, três polos dispersos, com um ficheiro de utentes cada, passarem a ficar concentrados num polo único. Esta concentração tem vantagens enormes, em termos organizacionais, que irão beneficiar profissionais e utentes. Facilitará o tal trabalho de equipa de que já falei e permitirá um horário mais alargado e a intersubstituição dos profissionais, nas suas ausências, garantindo o atendimento mais consistente dos utentes.  

Volto a dizer que compreendo que não é fácil a mudança, mas se não fizermos algumas ondas, as águas ficam paradas e nada acontece. Os profissionais desmotivam e começam a ir embora e as populações ficam sem oferta de cuidados. Vamos agitar um pouco e fazer os moinhos girar! 

Denise Alexandra Cunha Velho
(Artigo originalmente publicado no jornal A Região de Leiria)

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